Portaria do governo federal diminui as opções de atendimento à população
Na Revista Nacional de Saúde – Edição 10:
Ativistas sociais, profissionais de saúde, usuários do Sistema Único de Saúde, estudantes e conselheiros municipais e estaduais de saúde se reuniram, nos dias 19 e 20 de novembro, em Brasília, para elaborar estratégias de enfrentamento aos retrocessos na área de saúde mental. O 1º Seminário de Saúde Mental, organizado pelo CNS, teve como objetivo a elaboração de um documento com propostas que serão apresentadas na 16ª Conferência Nacional de Saúde, a ser promovida entre 4 e 7 de agosto de 2019.
“O interesse lucrativo das comunidades terapêuticas privadas não ficaria de fora do planejamento da indústria da loucura nessa nova fase do país”, avalia a representante do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial Maria das Graças.
Ela se refere à Portaria nº 3.659, publicada no dia 14 de novembro pelo Ministério da Saúde, que suspende o repasse de recursos financeiros aos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e se converteu no principal tema em discussão.
Aproximadamente R$ 77 milhões deixarão de ser transferidos para 322 convênios. A justificativa, conforme consta na portaria, é a ausência de registros de procedimentos nos sistemas de informação do SUS.
“Se o problema é a alimentação dos sistemas de informações, quem tem de ser penalizado é o administrador e não a sociedade”, afirma o defensor público do Estado do Rio de Janeiro Daniel Macedo, presente na abertura do Seminário. “Queremos saber o que, r e a l m e n t e , está por trás disso”.
Para a coordenadora da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do CNS, Maria Helena Alves, a suspensão do repasse será motivo para fortalecer a resistência dos movimentos sociais contra o desmonte das políticas pública de saúde. “Isso nos entristece, mas, ao mesmo tempo, nos conclama à luta, nos chama para responder com a garra que sempre tivemos”.
No final de 2017, o Ministério da Saúde já havia pactuado na Comissão Intergestora Tripartite (CIT), composta por gestores de saúde da União, estados e municípios, a Portaria nº 3.588, alterando as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM).
“O Conselho Nacional de Saúde é o órgão máximo deliberativo no país, nunca podemos esquecer isso”, disse o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Walter Oliveira, ao destacar que a PNSM foi pactuada sem consulta à sociedade e ao Conselho. “Essa política está sob judice, já foi questionada também pelo Conselho Federal de Psicologia. Ela não é legítima”.
Além de retrocessos, a nova PNSM traz a desestruturação da lógica organizativa da rede de atenção psicossocial, beneficiando empresas de saúde e comunidades terapêuticas, em detrimento do SUS.
“Estamos cansados de ser fonte de enriquecimento da indústria farmacêutica”, afirma o usuário dos serviços do CAPS e vítima de torturas sociais por muitos anos, José Willian Crispim Alves. “Queremos tratamento com amor e é isso o que o CAPS faz com a gente, devolve os nossos direitos e a nossa dignidade”, completa.
Para a conselheira nacional de saúde Francisca Rego, é fundamental pensar em um processo de mudanças dentro de uma perspectiva humana e mais digna, em respeito às pessoas. “A 16ª Conferência Nacional de Saúde se ancora nessa necessidade, de defender a política de estado e do SUS, que deve acolher a todos”, afirma.

FORMAÇÃO HUMANIZADA É A SOLUÇÃO
Outra pauta em discussão no 1 “Cuidado e Formação” foi tema da primeira mesa de debates, que destacou a importância de um atendimento humanizado na Atenção Básica. O debate evidenciou que o cuidado com a Saúde Mental deve abranger todos os ciclos de vida, do nascimento à velhice de qualquer cidadão brasileiro.
Os participantes reiteraram que é preciso assegurar, no SUS, ações de promoção, prevenção e intervenção em Saúde Mental nos diferentes pontos da Rede de Atenção Psicossocial. Porém, é na atenção primária que a maioria dos casos devem ser atendidos e levados a um tratamento digno, em liberdade.
A professora do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cristina Maria Loyola, explica que o SUS precisa ensinar aos seus trabalhadores, cada vez mais, um cuidado humanizado, com identificação e empatia. “É preciso incentivar a formação em saúde mental para agentes de saúde”.
Segundo a docente, dados da Organização Mundial de Saúde mostram que o suicídio aumentou no mundo cerca de 60% em relação a quatro décadas atrás. E que a depressão tem afetado muitas pessoas na atualidade. “Os agentes de saúde têm capilaridade nas comunidades. Por isso é importante que eles sejam formados com capacidade de escuta”, defendeu.
Ana Paula Freitas Guljor, professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, destacou a necessidade do fortalecimento da participação social para que seja possível um atendimento cada vez mais humanizado no SUS. “Precisamos sair do modelo hospitalocêntrico e partir para o cuidado em liberdade”. A professora criticou ainda a formação em saúde em muitas universidades públicas e privadas no país. “A formação universitária em saúde ainda é muito conservadora, mesmo após trinta anos na nossa Constituição de 1988, que deveria induzir a formar nossos profissionais para o SUS”. //