
Em O Globo:
RIO — O relatório divulgado nesta quarta-feira, dia 24, sobre as inspeções feitas nos sete hospitais de campanha prometidos pelo governo do Rio mostra um quadro caótico das unidades. As inspeções foram feitas pelo deputado estadual Renan Ferreirinha (PSB), relator da Comissão de Fiscalização de Gastos no Combate à Covid-19 da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj). Durante quase um mês de vistorias, o grupo não conseguiu apurar os gastos do governo com as sete unidades. O relatório aprovado nesta quarta por todos os integrantes da comissão dá um prazo de 48 horas, após o recebimento do documento, para que o governo de Wilson Witzel informe os gastos já feitos no combate ao vírus.
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“A Secretaria estadual de Saúde precisa apresentar um plano de ação contendo um diagnóstico completo de cada uma das unidades, elencando, entre outros itens, o custo de desembolso de cada uma das unidades detalhados por: despesas com pessoal, serviços, equipamentos médicos, infraestrutura, equipamentos de proteção individual, insumos, medicamentos, serviços de TI, mobiliário, rateio de sede. E se a construção será ou não abandonada, e o responsável pela remoção”, sugere o deputado nas considerações finais.
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As vistorias formam um retrato da situação desses hospitais. Atualmente, só dois estão em funcionamento: o do Maracanã e o de São Gonçalo. Mesmo assim, seguem subutilizados. Destinado a receber 200 pacientes, 80 deles na UTI, o hospital de campanha de São Gonçalo, por exemplo, só tem dez internados, pois só conta com dez respiradores. A unidade do Maracanã, que deveria disponibilizar 400 leitos, tinha apenas 120 pacientes internados quando foi feita a vistoria, no dia 11 de junho. O hospital foi inaugurado no dia 9 de maio com nove dias de atraso e com 170 dos 400 leitos previstos.
No ranking das unidades com mais atraso nas obras, o hospital de campanha de Casimiro de Abreu está em primeiro lugar, segundo o relatório da comissão da Alerj. A vistoria, feita no dia 17 de junho, constatou que a obra está completamente abandonada e contava apenas com divisórias, lonas e piso. Até animais foram encontrados dentro do hospital. Disputam o segundo lugar as unidades de Campos dos Goytacazes e de Duque de Caxias, com construções atrasadas. O deputado comenta que hospitais de campanha já se tornaram sinais negativos para a história da Saúde do Rio.
“Nossas vistorias dão conta de que essa estratégia de ampliar a capacidade de atendimento na rede pública de saúde durante a pandemia não passou de proselitismo político. O suposto cronograma das inaugurações não passou de um mero protocolo de intenções, visto que não houve qualquer correspondência com a realidade”, comentou.
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O parlamentar também menciona uma declaração do governador Witzel e do ex-secretário estadual de Saúde Fernando Ferry sobre a possibilidade de essas unidades serem utilizadas de três a cinco anos, servindo como um legado para a população do estado. Ele ainda dá sugestões de encaminhamento do relatório.
“O que se observa é que essas unidades talvez sequer existam e, se existirem, é improvável que durem tanto tempo assim. Que também que sejam oficiados o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado com cópia do presente relatório de inspeção para que adotem as medidas que julgarem pertinentes. E que seja expedido ofício para a Fiocruz, Grupo de Trabalho Multidisciplinar para o enfrentamento da Covid-19 da UFRJ e para o Instituto de Medicina Social da Uerj. Que seja indagada a viabilidade de manutenção dos hospitais de campanha como estratégia de combate ao coronavírus ou não”, afirmou.
A seguir as descrições contidas no relatório sobre cada uma das unidades vistoriadas:
Hospital de campanha de São Gonçalo
- Previsões de inauguração: 30 de abril; 15 de maio; 22 de maio e 27 de maio
- Número de leitos: 200. Sendo 120 semi-intensivos e 80 unidades de UTI
- Abertura: 19 de junho. A unidade foi aberta com apenas 40 dos 200 leitos anunciados, o que representa 20% do esperado
- Datas das vistorias: 22 de abril, 18 de maio e 27 de maio de 2020
“A promessa mais recente era de que a unidade seria aberta às 18h de 27 de maio. Neste dia, foram constatadas inúmeras obras sendo realizadas no local, como a instalação da rede de esgoto. Além disso, outra obra não acabada chamava a atenção. Era a estação interna de distribuição hidráulica e de tratamento de esgoto”.
Os leitos de tratamento intensivo já estavam equipados e prontos para receber pacientes. Porém, foram encontrados apenas 10 respiradores instalados para 80 leitos de UTI. Nas tendas auxiliares, não havia equipamento de proteção individual suficiente, o que reforça a ideia de que o local não possuía condições de receber pacientes em período próximo.
Quanto aos equipamentos de diagnóstico por imagem, “apenas a tomografia foi encontrada, desmontada e sem estar em funcionamento”.
Hospital de campanha de Nova Iguaçu
- Previsões de inauguração: 30 de abril; 15 de maio e 29 de maio
- Abertura: Ainda não foi inaugurado
- Data da vistoria: 29 de maio
“Havia inúmeras obras em andamento no local, o Aeródromo de Nova Iguaçu. Havia diversas máquinas operando e um verdadeiro canteiro de obras no entorno das tendas. Retroescavadeiras cavavam a rede de esgoto e auxiliavam o preparo da pavimentação do local. Toda a parte de saneamento estava incompleta, tanto o esgotamento sanitário quanto a parte hidráulica. Segundo os responsáveis pela obra, não havia respirador no local. Apenas um tomógrafo foi encontrado e estava em grande parte desmontado. O refeitório estava sendo usado como depósito. O dormitório e o acolhimento familiar contavam apenas com parte da estrutura montada”.
Hospital de campanha de Duque de Caxias
- Previsões de inauguração: 30 de abril; 15 de maio e 1º de junho
- Abertura: Ainda não foi inaugurado
- Data da vistoria: 1º de junho
“Muitas obras ainda eram realizadas no local. Seguindo o padrão do governo, apenas as lonas estavam montadas. Mas o processo era bastante embrionário. Não havia salas com leitos montados, equipamentos, piso adequado e, em toda parte, havia goteiras, inclusive na sala do CTI, sem contar os armários amontoados. A unidade estava sem equipes de saúde, remédios e insumos. O primeiro local visitado foi o refeitório, onde foram encontrados diversos pontos de gotejamento. Na tenda principal, as goteiras persistiam, só que dessa vez em cima de equipamentos lacrados. As salas reservadas aos leitos estavam completamente bagunçadas e sem qualquer condição de receber pacientes.
Os leitos do CTI também sofriam com goteiras. E não havia qualquer aparelho de diagnóstico por imagem. O saneamento básico estava inacabado e perfurações ainda eram feitas. A obra estava longe de ser concluída.
É uma unidade mais embrionária que as de Nova Iguaçu e de São Gonçalo”.
Hospital de campanha de Nova Friburgo
- Datas previstas para inauguração: 30 de abril; 15 de maio e 7 de junho
- Abertura: Ainda não foi inaugurado
- Data da vistoria: 11 de junho
“A construção da estrutura do hospital estava adiantada, inclusive com sistema de esgoto finalizado e gases instalados. Contudo, o hospital não possui leitos nem equipamentos, nem climatização interna, o que gera goteiras dentro da unidade, inclusive na área do CTI. Havia goteiras em todos os ambientes do hospital causadas pela condensação do ar. Os responsáveis pela obra disseram que a climatização interna amenizaria a condensação e deverá interromper ou minimizar as goteiras. O avanço da estrutura física do hospital, o refeitório e paramentação não possuíam mobílias e toda a infraestrutura médica hospitalar, como respiradores, camas etc, não se encontravam no local”.
Hospital de campanha do Maracanã
- Inauguração: 9 de maio
- Abertura: 9 de maio
- Dia da vistoria: 11 de junho
“A unidade é dividida em dois pavilhões com 200 leitos cada, o pavilhão A e o pavilhão B. O pavilhão A já recebe pacientes, enquanto o B ainda está sendo finalizado. Foi constatado que a unidade estava recebendo menos pacientes do que podia. No dia da visita, na unidade tinha pouco mais de 120 pacientes internados. O Hospital deveria ter 400 leitos, mas, um mês após sua inauguração, quase 200 estavam à disposição”.
Hospital de Campanha de Casimiro de Abreu
- Datas previstas para a inauguração: 30 de abril, 15 de maio e 17 de junho
- Abertura: Ainda não foi inaugurado
- Data da vistoria: 17 de junho
“No dia previsto para a inauguração a unidade estava completamente abandonada e contava apenas com divisórias, lonas e piso. Nas instalações da tenda principal foram encontradas poças, que indicam goteiras. O abandono da unidade fica ainda mais claro com a presença de animais no interior do hospital. Não há saneamento básico. Nenhum banheiro nenhuma caixa d’água instalados. De todos os hospitais de campanha do governo estadual, a unidade de Casimiro de Abreu supera a de Duque de Caxias e é a mais atrasada. Pouquíssimo foi feito naquele local, apenas tendas e divisórias estão montadas e algumas com layout bastante controverso. O ambiente é de descaso e abandono”.
Hospital de Campanha de Campos dos Goytacazes
- Datas previstas para inauguração: 30 de abril, 15 de maio e 12 de junho
- Abertura: Ainda não foi inaugurado.
- Data da vistoria: 19 de junho
“A unidade possui algumas tendas, mas o cenário completo era de atraso. Logo na entrada do terreno, havia materiais de piso expostos ao tempo e com relativo abandono. A tenda principal, que abriga os leitos de UTI e de tratamento semi-intensivo, era um ambiente de completo abandono. Havia diversas mobílias espalhadas pela tenda sem qualquer cuidado e adequação. E havia vários furos na lona superior da tenda principal. Não havia saneamento básico e nenhuma ligação interna de esgoto e água tinha sido feita. E as instalações elétricas ainda não haviam sido finalizadas. A unidade disputa com o Hospital de Campanha de Duque de Caxias o título de segundo mais atrasado entre as sete unidades”.