Delegação do Rio de Janeiro leva importantes propostas para 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental

Começou hoje, no Distrito Federal, o maior encontro brasileiro da Saúde Mental. Mais de duas mil pessoas delegadas partiram de seus municípios de origem em todo o Brasil para participar da etapa nacional da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental Domingos Sávio, evento que não acontecia no país há 13 anos. Fruto de intensa luta dos movimentos ligados à luta antimanicomial, conselhos municipais e estaduais de saúde, atores políticos ligados à Reforma Psiquiátrica, movimentos sociais e entidades sindicais e do próprio colegiado do Conselho Nacional de Saúde, a 5ª CNSM, organizada pelo CNS e promovida pelo Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde (Desme), promete ser um bastião em defesa do cuidado em liberdade para os pacientes, além da manutenção do modelo atual de assistência à Saúde Mental.

Cerimônia de Abertura da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental. (Foto: Daniel Spirin)

Sob o tema “A política de Saúde Mental como Direito: pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços de atenção psicossocial no SUS”, o objetivo principal desta conferência será debater propostas para a formulação da Política Nacional de Saúde Mental e o fortalecimento dos programas e ações de saúde mental em todo o território nacional. Para chegar até aqui, muitas outras conferências municipais e estaduais, bem como as conferências livres, tiveram que ser realizadas democraticamente em todos os territórios nacionais. Desafios não faltam para os delegados e delegadas presentes, que deverão compor grandes discussões nas diversas salas sobre o modelo de saúde pública implementado até então, desafios estes que passaram a ser enfrentados a partir da Reforma Psiquiátrica no Brasil, iniciada há mais de 20 anos, trazendo muitos avanços, mas também enfrentando obstáculos significativos.

Conselheiro estadual de saúde do RJ, Lidiston Pereira, conversa com Sueli Barrios, conselheira nacional de saúde. (Foto: Daniel Spirin)

No lado positivo, comprovou-se uma mudança na visão que se tem do paciente em saúde mental, anteriormente denominado como “louco” ou alienado. Já a Lei Paulo Delgado (10.216/2001) assegurou que os tratamentos sejam, prioritariamente, em equipamentos extrahospitalares da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e não possam utilizar violência, coação e medo.

Participante da 5ª CNS ostenta sua placa. (Foto: Daniel Spirin)

Por outro lado, a necessidade urgente da capacitação dos operadores, a utilização da atenção básica, particularmente a estratégia do Programa de Saúde da Família, ainda encontra empecilhos de ordem financeira, administrativa e também ideológica. A pressão das comunidades terapêuticas – muitas delas sob a gerência de grupos religiosos – cada dia mais disputa espaço no orçamento público para a Saúde Mental no Brasil; a própria adoção dos princípios da reforma psiquiátrica não está plenamente presente. A articulação do tratamento, a reabilitação psicossocial, a construção de projetos terapêuticos individualizados, construídos coletivamente mediante abordagens inter/transdisciplinares, a avaliação das práticas em curso, e a formação de profissionais dotados de capacidade de reflexão crítica também destacam a complexidade da reforma psiquiátrica e a necessidade de esforços contínuos para garantir que os direitos dos pacientes sejam respeitados e que o tratamento adequado seja fornecido.

É neste contexto complexo que se inicia a 5ª CNSM, especialmente nos últimos anos, quando o grupo político vigente à época caracterizou-se pelo sucateamento e desmonte das conquistas históricas do SUS como um todo.

Foto: Daniel Spirin

O Rio de Janeiro mergulha de cabeça na conferência

Logo após o término da V Conferência Estadual de Saúde Mental, um trabalho minucioso de consolidação do relatório final foi tratado com prioridade pela então comissão organizadora do evento. Os 92 municípios do Rio de Janeiro tiveram participação ativa na construção das propostas que hoje chegam à etapa nacional para aperfeiçoar as conquistas oriundas da Reforma Psiquiátrica, manter os ganhos obtidos pela população usuária do SUS e lutar contra as tentativas de desmantelamento dessas vitórias.

Ao centro: Daniele Moretti, presidente do CES/RJ e Valdir Paulino, vice-presidente do CES/RJ. (Foto: Daniel Spirin)

Dentre estas 12 propostas, destacam-se as ações voltadas para a saúde mental indígena, a efetivação da política de desinstitucionalização, a viabilização da implantação de CAPS I, CAPS infantil, CAPS AD, residência terapêutica, unidades de acolhimento e leitos de saúde mental em hospital geral em municípios de pequeno porte, a garantia do cuidado em liberdade na infância e adolescência, a garantia de que os recursos públicos nas esferas federal, estadual e municipal destinados à população que faz uso abusivo de álcool e/ou outras drogas sejam direcionados somente aos serviços de base territorial, que trabalham sob a lógica da Redução de Danos, dar fim à privatização da saúde pelo modelo de gestão terceirizada que precariza as relações de trabalho e viola direitos trabalhistas, a promoção do fortalecimento de um controle social antimanicomial, através do investimento em capacitação continuada, a promoção de políticas de saúde mental, implantando modelo de gestão que garanta o aprimoramento profissional de trabalhadores do SUS para melhor entendimento sobre os impactos da discriminação e violência sobre as minorias, dentre outras.

Ao centro, a conselheira estadual de saúde e membro da Comissão Organizadora da V CESM-RJ, Iraci do Carmo França. De pé, Iracema Polidoro. (Foto: Daniel Spirin)

Para o coordenador da delegação do Rio de Janeiro, Daniel Elia, conselheiro do CES/RJ, “o Rio de Janeiro conseguiu manter a organização desde o princípio, embora tenham ocorrido uma série de dificuldades como mudança de datas, mudanças na comissão organizadora”. Apesar disso, Daniel Elia avaliou como positivas todas as etapas que compuseram o ciclo até a etapa nacional.

“Fizemos uma conferência estadual muito bacana, com muita participação dos usuários da rede estadual de saúde mental e construímos com isso propostas em defesa de uma rede pública de saúde mental, acessível à diversidades que têm a população fluminense, com capacidade de atender tanto as crianças quanto adultos com diversas questões de saúde mental ou que fazem uso de álcool e drogas de uma maneira que lhes garanta o acesso a estes serviços com qualidade. Viemos com uma delegação quase que completa, com pouquíssimas ausências, de uma maneira bastante consistente e coletivamente articulados entre nós. Estamos aqui para defender não só nossas propostas, mas também todas aquelas que defendam a rede de saúde mental [no país]”, disse Daniel Elia.

Daniele Moretti, presidente do Conselho Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, afirmou que “depois de 13 anos sem uma conferência de saúde mental, para a gente é uma grande expectativa estar aqui, já que a gente vem lutando contra grupos que ainda vem tentando impor uma pauta de internações compulsórias”. Daniele também falou sobre a recente polêmica no Rio de Janeiro, quando o prefeito Eduardo Paes sugeriu internações involuntárias para, supostamente, combater a criminalidade.

“Houve uma proposta do prefeito do Rio, achando que nesta ‘pegada’ de Instagram haveria likes para sua gestão, mas a população está começando a se alertar para estas situações. Já aqui na conferência, vamos ouvir as propostas que estão vindo com bastante embasamento, da saúde mental como um direito humano e acho que é papel do controle social colocar suas pautas, defender suas propostas. E o Rio trouxe 12 propostas que são muito afinadas e vamos defendê-las nos grupos de trabalho com muita veemência”, colocou a presidente.

Usuários da rede Raps dão depoimento emocionante sobre a luta pela participação na 5ª CNSM

O já conhecido artista Hamilton, integrante e vocalista de diversos conjuntos musicais e artísticos como o ‘Tá pirando, tá pirado, pirou‘, bloco de carnaval que reúne pacientes e profissionais da rede pública de saúde mental do Rio de Janeiro e Fabiane Helene Valmore, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná e bacharel em Ciências Sociais, ambos usuários das redes de Atenção Psicossocial, deram um depoimento emocionante sobre suas trajetórias de luta e desafios enfrentados para chegarem até a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental. Fabiane comentou que a iniciativa das conferências livres abriu as portas para que mais usuários da rede pudessem estar presentes nesta conferência, mesmo enfrentado obstáculos de ordem logística, financeira e os estigmas que ainda persistem sobre os pacientes. Assista:

A cerimônia de abertura da 5ª CNSM

Num auditório lotado, a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental Domingos Sávio teve a presença na mesa de abertura de Fernando Pigatto, presidente do CNS, ministra da Saúde Nísia Trindade, Paulo Amarante, psiquiatra brasileiro conhecido por seu trabalho no campo da saúde mental e defensor da desinstitucionalização, especialmente no que se refere à reforma psiquiátrica no Brasil, ministros de Estado, parlamentares e autoridades internacionais. Fernando Pigatto, presidente do CNS, deu as boas vindas às pessoas participantes e falou da alegria da “conquista desta 5ª CNSM”. De acordo com Pigatto, “esta conferência começou a ser organizada ainda na resistência”, referindo-se ao período “pós-Golpe parlamentar de 2016”.

“A 16ª Conferência Nacional de Saúde, em 2019, apontou que teria que acontecer a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental. Pois bem, veio uma pandemia e aquilo que já era grave, ficou terrível. […] A gente se colocou no desafio que não iríamos esperar 20 anos, por que aquelas pessoas que tombaram naqueles 20 anos [Pigatto menciona o período da Ditadura Militar no Brasil, onde torturas, mortes e misérias também aconteciam], que foram presas, torturadas, por elas, pela memória delas, nós não deixaríamos que acontecesse novamente, disse Pigatto.

Fernando Pigatto, presidente do CNS. (Foto: Daniel Spirin)

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, destacou que “estamos aqui construindo, lutando pelo nosso Sistema Único de Saúde e implementando a política de Saúde Mental”.

“Implementamos esta política com toda a base legal, com toda a história bonita do movimento da Reforma Psiquiátrica e do movimento em defesa dos direitos humanos, bem como pelo direito à uma Saúde Mental democrática, que veio junto com o movimento da Reforma Sanitária, afirmou a ministra.

Foto: Luiz Felipe/Ascom-CNS

Veja abaixo a transmissão da abertura ao vivo do Conselho Nacional de Saúde:

Eixos da 5ª CNSM

Além do tema, a 5ª CNSM tem como eixo principal “Fortalecer e garantir Políticas Públicas: o SUS, o cuidado de saúde mental em liberdade e o respeito aos Direitos Humanos”, que será subdividido em quatro eixos:

I – Cuidado em liberdade como garantia de Direito a cidadania;

II – Gestão, financiamento, formação e participação social na garantia de serviços de saúde mental;

III – Política de saúde mental e os princípios do SUS: Universalidade, Integralidade e Equidade;

IV – Impactos na saúde mental da população e os desafios para o cuidado psicossocial durante e pós-pandemia.

Atividades autogestionadas e discussão do Eixo I, Cuidado em liberdade como garantia de Direito a cidadania, também ocorreram neste primeiro dia. A 5ª CNSM vai até o dia a 14 de dezembro no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB). O CES/RJ transmitiu a cerimônia de abertura ao vivo através da sua página oficial no Facebook. Confira abaixo a programação completa.

Conferências Livres

Além de pessoas delegadas eleitas nas etapas municipais e estaduais, a 5ª CNSM poderá contar também com até 160 pessoas delegadas eleitas nas Conferências Livres. De acordo com o CNS, as Conferências Livres de Saúde Mental são eventos que possuem caráter deliberativo e fazem parte dos mecanismos de participação social em saúde. Por outro lado, elas não precisam seguir formalidades como quórum mínimo ou representatividade por segmentos, e elegeram  pessoas delegadas para a etapa nacional. Essas conferências são uma parte importante do processo de construção e atualização participativa das políticas públicas no campo da Saúde Mental, já que representam um esforço para fortalecer o controle social no Sistema Único de Saúde (SUS).

Daniel Spirin Reynaldo/Ascom CES-RJ

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